sábado, 23 de maio de 2020

1º ANO

1ª SEMANA DE AULA


UNIDADE(S) TEMÁTICA(S): Mundo Moderno, Colonização e Relações Étnico-Culturais (1500-1808).

OBJETO DE CONHECIMENTO: Representações Européias do Novo Mundo.

HABILIDADE(S):

1.1. Ler e analisar fontes: relatos dos cronistas dos impérios coloniais (Pero Vaz Caminha),
descobridores (Cristóvão Colombo) e viajantes em geral (Hans Staden, Jean de Lèry,
Thevet), visando à construção de uma narrativa histórica.

CONTEÚDOS RELACIONADOS:
O Novo Mundo nos relatos de viagem dos navegantes, descobridores e cronistas: mitos e
visões.

Brasil no Olhar dos Viajantes 


Brasil no Olhar dos Viajantes - Episódio 1


O imaginário europeu, as visões sobre o “Novo Mundo” e suas gentes

Nos séculos XV e XVI, quando ocorreram as grandes viagens marítimas, os europeus se depararam com realidades que eram bastante estranhas para eles. O oceano era um lugar onde reinava o imprevisível, ou seja, os navegadores não tinham certeza do que poderia acontecer, nem do que poderiam encontrar pelo caminho. As informações que eles tinham haviam sido retiradas, em sua maioria, de livros de outros navegadores, como por exemplo Nicollo Matteo, Marco Pólo, etc. Mas tais informações eram povoadas de mitos e superstições. Assim, ao partirem para as grandes viagens pelo oceano, os navegadores tinham em mente as informações de livros sobre viagens e também suas próprias crenças e mitos, que desde a Antiguidade povoavam seus pensamentos. 

Essas informações míticas e supersticiosas pertenciam quase todas à tradição grega: Ctésias de Cnido em 398 antes de Cristo, já escrevia sobre a existência de raças fantásticas como os ciápodas que possuíam um único e grande pé, os homens peludos, sem cabeça, e que tinham os olhos nos ombros, etc; Plínio, em 77 depois de Cristo, também escrevia sobre os monstros e maravilhas que foram avistadas na Índia, como seres antropófagos (que comiam carne humana), seres andrógenos (que possuíam os dois sexos), etc. 

E tais informações foram sendo adaptadas ao longo do tempo. Porém, em geral, mantiveram-se quase sem alterações até o século XVI. Dessa forma pode-se entender o fato de os navegadores europeus terem visto sereias, antípodas (criaturas com os pés virados para trás), cinocéfalos (criaturas com corpo humano e cabeça de cachorro que comiam carne humana), ciclopes (monstro caracterizado por ter um único olho no meio da testa), e outras tantas criaturas monstruosas e maravilhosas, quando viajaram por regiões desconhecidas. 

Na imagem acima estão retratados alguns monstros que os europeus (sobretudo os portugueses e espanhóis) acreditavam existir. Até os séculos XV e XVI, quando ocorreram as grandes viagens marítimas, acreditava-se que esses monstros habitavam a região das Índias. Porém, a medida que os navegadores foram chegando a tais regiões e desmistificando-as, passaram a acreditar que as criaturas monstruosas estavam em outras terras que ainda eram desconhecidas. Dessa forma o oceano Atlântico e o “Novo Mundo”, ou o Continente Americano, passaram a ser o reduto onde habitavam esses monstros.



O imaginário, ou seja, o conjunto das idéias e imagens que faziam parte da mentalidade dos europeus, foi projetado sobre aquilo que eles viram de diferente durante as viagens pelo mar, e também ao entrarem em contato com terras desconhecidas. Dessa forma, quando eles chegaram às terras que mais tarde chamaram de Continente Americano, tudo aquilo que havia de exuberante ou de estranho foi identificado com as imagens que já lhes eram familiares. Aquilo que já fazia parte do pensamento cotidiano dos europeus projetou-se sobre a realidade que estava diante deles e, dessa forma, eles puderam entendê-la. Foi por causa desse tipo de identificação que os europeus viram no “Novo Mundo” vários monstros e criaturas fantásticas e maravilhosas. 



Foi também por causa dessa identificação que os europeus acreditaram ter chegado ao Paraíso Terrestre (que era o lugar onde se encontrava o estado original do mundo, ou seja, onde se encontravam a ausência do pecado original, a pureza e a liberdade). A natureza exuberante e os bons ares eram características que contribuíam para que o “Novo Mundo” fosse associado ao Paraíso. Comparando-se as características das novas terras com as paradisíacas e encontrando semelhanças entre elas, os europeus logo fizeram uma associação. Dessa forma, ficava mais fácil entender a existência dessas novas terras. Mas o Paraíso nem sempre foi identificado com o Novo Mundo. Ele migrava de uma região para outra, conforme os europeus iam descobrindo e conhecendo lugares novos: ele esteve no oriente, no meio do oceano, no Novo mundo etc. 



Se existia a idéia de Paraíso, existia também a idéia de inferno entre os europeus contemporâneos ao período das grandes viagens marítimas. Eles eram homens profundamente religiosos e seus pensamentos eram marcados por uma constante luta entre o bem e o mal. Dessa forma, no Novo Continente não foram identificadas apenas características paradisíacas, como a vegetação exuberante, por exemplo, mas também demoníacas, os inúmeros insetos e animais peçonhentos, o forte calor e, principalmente, os costumes das gentes da terra, ou seja, dos indígenas. 



Os indígenas foram também relacionados com seres que estavam presentes no imaginário dos europeus: suas características assemelhavam-se às dos “homens selvagens” que habitavam livremente os bosques, gozando de liberdade e vivendo com base em seus instintos. Todas essas características eram contrárias ao ser humano cavalheiro e cristão que os europeus tinham como modelo. Os rituais dos indígenas, suas danças, sua nudez, suas práticas sexuais, sua preguiça, seus deuses, suas práticas religiosas, foram vistos pelos europeus como ações demoníacas, sobretudo o ritual antropofágico, no qual se comia a carne humana. 



Contudo, deve-se ter em mente que essas características que se atribuíam aos indígenas têm uma razão de ser, pois aqueles que escreviam sobre o modo de viver do índios tinham uma visão centrada na religiosidade e nos padrões de vida europeus. Além disso, a identificação do que existia no imaginário europeu com a realidade contribuiu para que o diferente não fosse visto realmente como era, mas sim filtrado por algo que já era conhecido e comum.



 Dessa forma, pode-se perceber que os europeus não viram os indígenas como seres humanos com um modo de vida diferenciado, mas identificaram-nos com os “homens selvagens”, desclassificando seus costumes e hábitos. E, do ponto de vista espiritual, os europeus consideraram as práticas indígenas demoníacas, identificando suas ações religiosas com bruxaria, feitiçaria e outros tantos rituais anti-cristãos, que já faziam parte de sua mentalidade. Assim, eles conseguiram dar sentido à existência de seres humanos em uma região que, com base nas informações que tinham, não podia só podia ser habitada por monstros e criaturas maravilhosas. 



Pode-se, por fim, concluir que a visão que os europeus tiveram do Novo Mundo e das gentes que o habitavam estava fundamentada no imaginário europeu que era marcado pela religiosidade e pela crença em uma série de mitos e superstições. Todas as imagens que permeavam o pensamento dos europeus, entre os séculos XV e XVI, acabaram sendo associadas à realidade do Novo mundo, de forma que ele pudesse ser entendido. Assim, as idéias de bem e mal, de Paraíso e Inferno, conduziram a visão que foi lançada sobre as novas terras e aqueles que a habitavam, ora edenizando-os, ora detratando-os. 

WANESSA DE SOUZA

Veja no link abaixo a primeira impressão que Pero Vaz de Caminha teve do Brasil.


2º SEMANA DE AULA

UNIDADE(S) TEMÁTICA(S): Mundo Moderno, Colonização e Relações Étnico-Culturais
(1500-1808).

TEMA 2- Escravidão e Comércio no Mundo Moderno

HABILIDADE(S):
2.1. Compreender e analisar a importância do alargamento das antigas rotas comerciais; o
ressurgimento e expansão do comércio, as novas mercadorias e o tráfico de escravos.

CONTEÚDOS RELACIONADOS:
Circuitos do tráfico de escravos (Novo Mundo, África e Europa)

ROTAS DE TRÁFICO DE ESCRAVOS NA IDADE MODERNA



A ESCRAVIDÃO NA ÁFRICA 

O comércio de escravos existiu na África desde a Antiguidade, por volta do século II a.C., porém o número de escravos acentuou-se na Idade Moderna, com o tráfico negreiro europeu. 
Segundo a historiadora Marina Melo e Souza afirma que: 

"Desde os tempos mais antigos, alguns homens escravizaram outros homens, que não eram vistos como semelhantes, mas sim como inimigos e inferiores. A maior fonte de escravos sempre foram as guerras, com os prisioneiros sendo postos a trabalhar ou sendo vendidos pelos vencedores. Mas um homem podia perder seus direitos de membro da sociedade por outros motivos, como a condenação por transgressão e crimes cometidos, impossibilidade de pagar dívidas, ou mesmo de sobreviver independentemente por falta de recursos. […] A escravidão existiu em muitas sociedades africanas bem antes de os europeus começarem a traficar escravos pelo oceano Atlântico."

(SOUZA, 2006, p. 47 apud MOCELLIN; CAMARGO, 2010, p. 174). 2.1 AS MANEIRAS DE ESCRAVIZAR NA ÁFRICA 

AS MANEIRAS DE ESCRAVIZAR NA ÁFRICA

Os africanos escravizavam-se uns aos outros por questões de identidade cultural. Eles não se conheciam como africanos, pois se identificavam de diversas maneiras como: pela família, clã, tribo, etnia, língua, religião, país ou Estado. Essa diversidade sugere uma sociedade bem mais complexa do que designamos por africanos. 

Havia vários modos de um indivíduo se tornar escravo na África. O mais comum e talvez mais eficiente era o escravo de guerra. Guerras entre vizinhos geralmente produzia um número de indivíduos capturados que poderia ser facilmente vendido na Costa como escravo. Outros métodos utilizados eram por razias (Incursão feita em território inimigo para aprisionamento de pessoas, tropas, saque de... ), por endividamento, por julgamento de crimes e heresias, por fome, por abandono, e outras ameaças.

 A ENTRADA DOS ÁRABES NA ÁFRICA 

O comércio de escravos entre os africanos era de pequenas dimensões, até a rápida expansão muçulmana do século VII, que mudava esse cenário, pois o árabe elaborou toda uma ideologia sobre a inferioridade da raça negra e sua condição subumana, onde o negro era discriminado inclusive pelo escravo branco. 

No século VIII, toda a Costa do Norte da África tornou-se muçulmana, imensas caravanas cruzavam o Saara em busca do ouro de Gana, era o início do tráfico Transaariano de escravos para integrarem exércitos e trabalhar na agricultura. Entre os séculos XI e XV, milhões de escravos também foram traficados pelo Mar Vermelho, embora o comércio de escravos teve um contingente maior pelas rotas terrestre e transaarianas. 

A BUSCA DE ASCENSÃO ECONÔMICA DOS AFRICANOS POR MEIO DOS ESCRAVOS 

A riqueza era normalmente ditada pela posse de escravos ou gado, não pela terra, por conta disso, a guerra visa em grande parte a captura de escravos e não de terras, ou seja o escravo era a principal forma de riqueza reprodutiva da África (força de trabalho) a qual correspondia à terra na Europa ( o solo). Assim sendo, na Europa a propriedade de terra era a precondição para que se tornasse produtivo o uso de escravo, já na África passava-se o contrário, só tinha acesso a grandes tratos de solos quem dispusesse de gente para cultivá-los, portanto, as portas das classes dominantes eram abertas pelo plantel de escravos que possuíssem. 

Partindo dessa reflexão sobre a escravidão dentro do próprio Continente africano, é possível ver com mais clareza como iniciou a escravidão feita pelos europeus. 

Nesse sentido ressaltamos que o tráfico transatlântico de escravos desenvolveu-se em parte com a participação dos próprios africanos, ou seja os africanos participaram ativamente dessa atividade, pois eles determinavam quem embarcavam ou não para o Novo Mundo, isso revela um lado pouco conhecido dentro da história do tráfico. 

A expansão marítima e comercial europeia, a partir do século XV, mudou drasticamente a história da humanidade ao unir três continentes – a Europa, a África e a América. Depois que alcançaram o litoral atlântico da África, os portugueses conseguiram ter acesso ao comércio de seres humanos que já era praticado pelos africanos. 

A negociação entre portugueses e africanos era feito através de escambo (troca). Os produtos oferecidos pelos portugueses interessavam aos africanos, eram: tecidos, vinhos, cavalos, ferro ( que eram derretidos e transformados em armas na África) e com essas mercadorias em mãos, os aliados dos portugueses conseguiam status social, e enfrentavam com maior condições povos inimigos, podendo obter maior quantidade de escravos para negociar com os portugueses. 

As guerras entre os próprios africanos para conseguir mais escravos, causou a diminuição da população do litoral, e a busca por pessoas foi ficando cada vez mais distantes. Os escravos capturados em obrigados a andar por quilômetros, vigiados de perto por homens armados, eram obrigados a andar em fila, atados uns aos outros pelo libambo (corrente, ou madeiras, ou ferros que uniam os escravos pelo pescoço), com os pés sangrando, não se alimentavam o suficiente e carregavam pesos, Tudo para aumentar o cansaço e diminuir as chances de rebelião e fuga. Muitos desses prisioneiros morriam nessa travessia até chegar aos navios chamados de negreiros. 



É importante perceber que o sistema escravocrata utilizado pelos portugueses não representa uma novidade no modo de produção, uma vez que a escravidão já era utilizada nas mais desenvolvidas sociedades da África Subsaariana, onde escravos negros eram comumente transportados através do Saara e vendidos no norte da África por mercadores muçulmanos.

Foi assim que Portugal conheceu o regime de escravidão, através das relações de comércio com mercadores árabes. Portanto a escravidão no Continente africano já era uma instituição muito bem consolidada antes da chegada dos europeus, que não foram eles que incitaram a criação da escravidão nesse Continente. 

Conforme o historiador Paul E. Lovejoy (2002): A escravidão africana antes da chegada dos portugueses foi tão bem consolidada e fundamentada que funcionava até mesmo como “cimento social” contribuía para a fundamentação de modos de produção baseados na mão de obra escrava, e o poder político passou a se fundamentar em grande parte na escravidão.

Com a implementação da Lei 10.639/03, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro Brasileira e Africana, veio nos proporcionar meios de ampliar o conhecimento sobre a História da África, dando destaque aos aspectos da afro americanidade e introduzindo elementos que aproximam e diferenciam essa parte da nossa história, da história dos afrodescendentes. 

Segundo Mônica Lima: 

"Não há como recuperar a africanidade sem conhecer a própria história da África. Ao mesmo tempo, é necessário despir-nos dos preconceitos etnocêntricos (olhar um povo ou etnia com valores de outro) a África como lugar atrasado, inculto, selvagem – e deixar de ou supervalorizar o papel de vítima- do tráfico, do capitalismo, do neocolonialismo, atitude que alimenta sentimentos de impotência e incapacidade."
 (LIMA, 2004, p. 85). 

Conforme Lima, para ter um melhor entendimento sobre nossa história, é necessário conhecer com mais profundidade nossas raízes, portanto estudar sobre a História da África , precisamente sobre a escravidão, proporciona ao aluno ampliar seus conhecimento, e estimula à pesquisa sobre temas africanos. 



Assistam: 



Poesia Navio Negreiro de Castro Alves- Cenas filme Amstad


3º SEMANA DE AULA


UNIDADE(S) TEMÁTICA(S): Mundo Moderno, Colonização e Relações Étnico-Culturais(1500-1808).

TEMA 2- Escravidão e Comércio no Mundo Moderno
HABILIDADE(S): 

2.1. Compreender e analisar a importância do alargamento das antigas rotas comerciais; O ressurgimento e expansão do comércio, as novas mercadorias e o tráfico de escravos.

2.2. Identificar a origem étnica e geográfica dos escravos trazidos para o Brasil.

CONTEÚDOS RELACIONADOS:

Circuitos do tráfico de escravos (Novo Mundo, África e Europa)



ROTAS DO TRÁFEGO NEGREIRO

Rotas da escravidão - Só História


expansão marítima e comercial europeia, a partir do século XV, mudou drasticamente a história da humanidade ao unir três continentes: a Europa, a África e a América (poderíamos considerar a Ásia também, mas essa é uma outra história).

Em busca de enriquecimento, os europeus (os portugueses foram pioneiros), organizaram todo um aparato político, econômico e militar que lhes garantiu o controle sobre africanos e americanos. Dessa forma surgiu o que chamamos de sistema colonial, que durou do século XVI ao século XIX.

Apesar de não podermos falar de uma colonização da África nesse período (com exceção de algumas ilhas), os portugueses fundaram diversos fortes e feitorias no litoral atlântico africano, e assim puderam negociar com os povos locais diversas mercadorias que eram levadas para a Europa, para a América e, também, para a Ásia.

Dentre todos os bens negociados com os povos africanos, o comércio de escravos foi o que mais rendeu lucros para Portugal, pois além do ótimo negócio que representava, também foi fundamental para a ocupação e exploração da América.

O tráfico escravista

Depois que alcançaram o litoral atlântico da África, ainda na primeira metade do século XV, rapidamente os portugueses conseguiram ter acesso ao comércio de seres humanos que já era praticado pelos africanos.

O trato (ou seja, a negociação) entre portugueses e africanos era feito através do escambo (troca). Os produtos oferecidos pelos portugueses interessavam aos africanos: tecidos, vinhos, cavalos, ferro (que era derretido e transformado em armas na África). Com essas mercadorias em mãos, os aliados dos portugueses conseguiam status social e, também, tinham maiores condições de enfrentar povos inimigos e, assim, podiam obter mais escravos para serem negociados com os portugueses.

Poucas foram as iniciativas dos portugueses em colonizar a África, já que saciavam seus interesses mercantis mantendo uma relação amigável com povos do litoral. As regiões que mais forneceram escravos pra o tráfico atlântico foram: o Cabo da Guiné, chamado pelos portugueses de Costa dos Escravos, e os Reinos do Congo e de Angola (nesse reino os portugueses conseguiram fundar fortes no interior, chamados de presídios).

As guerras entre os africanos para conseguir mais escravos acabaram causando a diminuição da população do litoral, e a busca por escravos passou a ser feita em regiões cada vez mais distantes.

No interior da África, os escravos capturados eram obrigados a andar por quilômetros, às vezes, por dias seguidos, vigiados de perto por homens armados. Nessas caravanas de escravos o sofrimento era muito grande: obrigados a andar em fila, atados uns aos outros pelo limbambo (correntes, ou madeiras, ou ferros que uniam os escravos pelo pescoço), com os pés sangrando, não recebiam alimentação suficiente e eram obrigados a carregar pesos. Tudo isso para aumentar o cansaço e diminuir as chances de rebelião e de fuga. Muitos desses prisioneiros morriam nessa travessia.

Libambo (Inst. Hist. Alagoano)
Limbambo

Podia demorar meses esse processo de comercialização que ia do momento da captura dos escravos, passando pela negociação de feira em feira no interior e a chegada nos portos de trato negreiro no oceano Atlântico, onde ficavam os navios estrangeiros.

Os portos de trato negreiro

Não só os portugueses fizeram fortunas negociando gente na África. Navios ingleses, franceses, holandeses e brasileiros atracavam nos portos africanos e esperavam pela sua carga humana.

Nesses portos os escravos eram mantidos em barracões pelos comerciantes locais (tanto africanos quanto europeus que moravam na região), e ali esperavam pela negociação. Quanto mais rápidas as transações, melhor para o prisioneiro, já que as condições de higiene e alimentação nesses barracões eram as piores possíveis.

As inúmeras caravanas de escravos chegavam de diversas regiões, trazendo prisioneiros das mais diferentes etnias, que, devido aos maus tratos, sofriam com uma infinidade de doenças: varíola, disenteria, sarna. Todos presos num mesmo barracão, sofrendo o mesmo terror: para onde seriam levados? Muitos dos prisioneiros nunca tinham visto o mar, muito menos um europeu.

Também interessava aos traficantes de escravos que a negociação fosse rápida. Os navios tinham que pagar para esperar no porto. Pagavam também pelo reabastecimento de água e alimento. Muitas vezes tinham que enviar presentes para os chefes locais, a fim de garantir proteção e exclusividade nos negócios. Além disso, a pirataria era comum no litoral da África.

Mas, às vezes, demorava mais de 5 meses para que todos os acordos fossem firmados e até mesmo para que os prisioneiros fossem embarcados, já que os comerciantes dos navios só aceitavam os escravos em seus porões quando já tivessem o número total que desejavam, pois assim evitavam ter que cuidar dos seus cativos e porque temiam as rebeliões a bordo.

A travessia no Atlântico

Os navios que negociavam e transportavam escravos eram chamados de navios negreiros ou navios tumbeiros, nome que é derivado de "tumba", devido à quantidade de escravos que morriam em seus porões. Calcula-se que 20% dos escravos africanos embarcados nos tumbeiros morriam durante a travessia pelo oceano Atlântico.

Navios negreiros - Resumo, como eram, curiosidades, doenças, revoltas
Navio negreiro

O tumbeiro poderia ser uma nau, um bergantim, uma corveta, dependendo do desenvolvimento tecnológico da época (o tráfico atlântico de escravos durou quatro séculos e durante esse tempo as técnicas de navegação mudaram muito).

Em geral essas embarcações transportavam entre 400 e 500 escravos, todos confinados num porão. Os negreiros (comerciantes de escravos) compravam escravos a mais do que sua embarcação comportava, pois sabiam que perderiam muitas das suas "mercadorias" durante a viagem, e assim superlotavam suas embarcações.

Ficheiro:Navio Negreiro by Johann Moritz Rugendas (1830).jpg ...
Navio Negreiro

Uma viagem entre Angola e Brasil durava 35 dias. E entre Moçambique e Brasil demorava em torno de três meses. Os alimentos e a água potável transportada por esses navios eram insuficientes até mesmo para a tripulação (trabalhadores do navio), pois não existia nenhuma forma de refrigeração.

Os escravos, confinados na parte mais insalubre do navio, passavam por situações das mais terríveis. Não sabiam onde estavam, ficavam apertados num espaço no qual não podiam ficar em pé ou se deitar, recebiam pouca alimentação com baixo grau de nutrientes (basicamente: feijão, farinha de mandioca e carne seca). Mal recebiam água para beber. E, enquanto isso, pelas frestas da embarcação feita de madeira, a água do mar ia aos poucos invadindo o chão do porão.

Famintos, fracos e doentes, os escravos não tinham mais nada em que acreditar. O desespero era tanto, que alguns dos cativos aceitavam vigiar e punir seus companheiros de sofrimento em troca de um pouco mais de água. Os rebeldes eram, normalmente, envenenados. Os mortos eram atirados ao mar.

Nessa situação de tamanha infelicidade, pessoas que nunca tinham se visto antes, que nem sequer falavam a mesma língua, se ajudavam. Repartiam a pouca comida. Consolavam-se. Essa amizade, essa solidariedade que surgia nos tumbeiros era chamada de malungo, ou seja, amizade de travessia, que algumas vezes se perpetuava para a vida toda.

São comuns os relatos sobre a enorme felicidade dos escravos ao aportarem no Brasil, o que era interpretado na época como se os africanos estivessem alegres por se libertarem da vida pagã africana ao chegar ao mundo cristão americano. Esse foi um dos argumentos mais eficientes para legitimar a comercialização de gente na época.

Érica Turci



Ciclos do tráfico negreiro.

Para o melhor entendimento, e fazendo referência aos principais períodos e mercados fornecedores, o tráfico escravista pode ser dividido em ciclos: o da Guiné, o da Costa da Mina, o de Angola e o da Contracosta.

De São Jorge da Mina vieram os ashantis, fantis, iorubás, ewes, fons e outros.

De Cabinda, Luanda, Benguela e Moçambique vieram os bantos.

E é necessário acrescentar outras áreas de influência ou domínio português, como as Ilhas de São Tomé e Cabo Verde, de onde vieram os mandingas, uolofés e fulanis.

De tal monta era o comércio de vidas humanas, que o Brasil tornou-se o maior consumidor do “ouro negro” já no final do primeiro século de colonização.

Com base nos dados apresentados por Luiz Felipe de Alencastro, em O trato dos viventes (2000), a quantidade de africanos desembarcados no Brasil no período escravista, em números aproximados, é de 4.029.800 pessoas.



Guiné, Angola e Benguela.

A documentação histórica dos séculos XV-XVII registra a utilização do termo Guiné para indicar a procedência dos cativos africanos.

Já a partir do século XVIII, como o maior conhecimento europeu sobre o continente e sua muitas nações, há referências mais específicas aos angolas, de Luanda, aos benguelas e aos minas de Ajudá.

Sobre a indicação da Guiné como definição da origem dos negros apresados, Mariza Soares, em Descobrindo a Guiné no Brasil Colonial (2000), esclarece que no final do século XV, pelo Tratado de Alcáçovas, os portugueses ficaram com o controle sobre os domínios da Guiné, Açores, Madeira e Cabo Verde. Assim, contrariando os interesses espanhóis e holandeses, a extensão da costa africana, incluindo a Guiné, passou a ser senhorio português. 

A denominação Costa da Mina, afirma a autora, é como passou a ser conhecida, a partir de 1470, a região do porto africano onde as expedições portuguesas negociavam ouro de aluvião e outros produtos. Nas décadas de 1470 e 1480, a expansão portuguesa atingiu a costa do Congo, Angola e Benguela, mas Guiné continuou sendo a designação dessa área mais ampla.

O termo Costa da Mina também permaneceu como referência, especialmente após a edificação do Castelo de São Jorge da Mina, em 1482.

Com a ampliação e maior conhecimento dos domínios, afirma Mariza Soares, “É mantido o uso do termo Guiné para as primeiras terras atingidas, onde grande parte do tráfico se concentra no Rio Cacheu e também para as terras que se seguem à Mina, ou seja, os reinos do Congo e Angola e mais tarde, Benguela; o nome Costa da Mina fica restrito às terras entre o Cabo das Três Pontas e o delta do Níger”.

Mesmo quando completada a tarefa de conhecer a costa e ultrapassar o Cabo da Boa Esperança, a denominação Guiné permanece, mas mesclando-se com outras mais específicas referentes à localização ou à nação.

Dessa forma, surgem registros que indicam Guiné como a terra dos guinéus (Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau e Guiné), ou como a costa centro-ocidental (Congo, Angola e Benguela), ou simplesmente como toda a extensão costeira ocidental.

Nos registros do século XVIII há, portanto, terminologias e classificações geográficas e étnicas mais precisas, pois a área africana conhecida havia se ampliado enormemente na busca de novos “mercados fornecedores” do braço escravo, pela expansão dos projetos mercantilistas e mesmo cristianizadores.

Angola.

Antes da chegada dos europeus, ao longo de séculos o território de Angola foi ocupado por diferentes povos independentes e com características diversas, habitando territórios próximos, de modo que não se pode falar em Angola como uma unidade histórica.

De acordo com Helder Ponte, em Introdução ao Estudo da História de Angola (2006), “Angola não começou como ‘Angola’, mas sim como ‘Congo’, mais propriamente, o território do Antigo Reino do Congo, geralmente definido pelos rios Zaire a Norte, Cuango a Leste, e Dande a Sul, e pela costa atlântica a Oeste [...]. Só com a carta de doação da capitania de Angola a Paulo Dias de Novais em 1571 e a sua chegada à região em 1575 [...] e com a fundação da povoação de S. Paulo de Loanda, é que Angola começou a existir como possessão negreira portuguesa, e como entidade política, econômica e militar no quadro geopolítico do Atlântico Sul e da África Central e Austral desse tempo”.

Benguela.

Benguela era uma extensão dos domínios de Angola.

A ocupação portuguesa do Reino de Benguela deu-se a partir de 1578. A região foi convertida rapidamente em mercado fornecedor de cobre e, principalmente de mão-de-obra para o tráfico de escravos. Em São Felipe de Benguela havia vassalos, aliados nativos e, inclusive, as residências e um administrador e um ouvidor português, tamanha a importância do comércio que se realizava ali, especialmente o do entreposto escravista.

A carta donatária de Paulo Dias de Novais, datada de 1571, esclarece Pontes, “continha o esboço do território original do Reino de Angola, que incluía então a região entre a Barra do Dande (a norte de Luanda) e a Barra do Quanza, na actual região da Quissama (a sul de Luanda)”. 

E o Reino de Benguela, afirma o autor, foi assim denominado pelos portugueses, referindo-se à região costeira ao sul dos reinos da Quissama e do Libolo, passando pela baía do Quicombo, até à foz do Rio Caporolo, a sul da atual cidade de Benguela.

A expansão em direção a Benguela era uma alternativa para os comerciantes portugueses que buscavam expandir a área de domínio, a captura e o tráfico, ampliando assim as fontes fornecedoras do Congo e de Angola e garantindo o abastecimento dos mercados coloniais do Brasil.


Bantos e Sudaneses: multiplicidade de povos e culturas.

Banto é uma classificação linguística, referente aos povos cuja língua originou-se da cultura Nok – de Camarões à Nigéria –, abrangendo diferentes grupos humanos que ao longo de séculos (VI-XIX) migraram e se espalharam pela África Central e Austral, incluindo, portanto, a região de Angola.


Além dessa referência cultural, há o acréscimo do contato com os povos pigmeus e os khoisan, habitantes da região.

Os estudos sobre a formação étnico-cultural da região estão confirmando a hipótese de que os bakongos, vindos do Norte nos séculos XII e XIII, teriam sido os primeiros a chegar ao atual território de Angola, estabelecendo-se posteriormente nas margens do Rio Zaire e, a seguir, espalhando-se até a margem do Rio Dande.

O povoamento banto da região deu-se por meio da organização de povoações independentes, sem centralização política até o século XIV quando se formaram as bases do que seria mais tarde o antigo Reino do Congo.

Os ambundos, vindos pela margem do Rio Cuango expandiram-se pelas bacias dos Rios Lucala e Cuanza, estabelecendo sobados independentes que formariam o Reino de Angola. Grande parte do território foi dominada pelos povos de raiz linguística Banto, marcando culturalmente a composição atual da população angolana.

Foram chamados bantos os indivíduos originários de diferentes grupos humanos, dos quais fazem parte os angola-congoleses e os moçambiques, localizados em Angola, no Congo, no Zaire e em Moçambique, e que no Brasil, submetidos à exploração escravista, foram distribuídos nos mercados escravos de Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo.

Sudaneses e guineanos-sudaneses são povos originários da Nigéria, Daomé e Costa do Ouro, dos quais faziam parte os iorubás ou nagôs, jêjes, fanti-ashanti. Os islamizados fulas ou filanis, mandingas, haussas e tapas foram destinados principalmente aos mercados da Bahia.

Os malês, responsáveis pelo Levante de 1835 na Bahia, eram negros de diferentes origens, como haussas e fulanis, convertidos ao islamismo. A denominação “male” ainda não teve sua procedência desvendada, podendo ser associada aos indivíduos do Mali, reino islamizado, ou à palavra iorubá imale, que designava os muçulmanos.

O fato é que há, ainda, dificuldades para a identificação das origens étnicas, geográficas e culturais da variedade dos africanos e afrodescendentes do Brasil.

Kabengele Munanga, em Origens africanas do Brasil Contemporâneo (2009), faz referência a três áreas geográfico-culturais nas quais se situam os grupos cuja contribuição pode ser constatada no Brasil:

Profa. Dra. Marilda Soares.


Vejam trechos do filme Amstad: https://www.youtube.com/watch?v=XONv0W3TMsA


4ª SEMANA DE AULA

UNIDADE(S) TEMÁTICA(S): Mundo Moderno, Colonização e Relações Étnico-Culturais
(1500-1808).

TEMA 2- Escravidão e Comércio no Mundo Moderno

HABILIDADE(S):2.3.
Estabelecer relações entre escravismo colonial e capitalismo

CONTEÚDOS RELACIONADOS:
Circuitos do tráfico de escravos (Novo Mundo, África e Europa)


Escravidão e Comércio no Mundo Moderno




Gráficos Escravidão dos Africanos



O escravismo colonial 

FLAVIO DE CAMPOS

A sociedade colonial assentava-se na oposição entre senhores e escravos. Todos os demais grupos sociais definiam-se de acordo com seu grau de proximidade ou distância desse núcleo fundamental. Senhores de engenho, pequenos lavradores, comerciantes, fidalgos, clérigos e funcionários constituíam o rol dos homens livres, que desfrutavam de liberdade jurídica.

Os escravos, pelo contrário, podiam ser propriedade, comprados da mesma forma como se adquire uma carroça, uma enxada ou um animal. Tanto seu trabalho quanto sua vontade pessoal pertenciam ao seu proprietário. Como mercadoria, podiam ser vendidos, emprestados, alugados ou doados, de acordo com o desejo de seu senhor. A condição de escravo transmitia-se de forma hereditária até que, por iniciativa do proprietário, lhe fosse concedida a alforria, ou seja, a liberdade.

O escravo distinguia-se, portanto, de dois outros tipos de trabalhador, o servo e o assalariado. O primeiro, típico do feudalismo, não tinha liberdade, estava preso às terras de seu senhor e devia a ele uma série de obrigações que poderiam variar do trabalho de alguns dias em suas terras à entrega de parte de sua produção. Não era alguma coisa que pudesse ser vendida e comprada nas feiras medievais. Já o assalariado possui sua liberdade. Pode vender sua força de trabalho ao empregador pelo tempo e pelo preço que achar conveniente. Estabelece-se, nesse caso, uma troca entre o trabalho do homem livre e o salário pago pelo seu patrão.

Desde os primeiros tempos da conquista até o século 19, a escravidão foi a relação de trabalho dominante na América portuguesa e depois no Brasil independente. A escravização dos indígenas persistiu por todo o período colonial, sendo predominante no Nordeste até o final do século 16 e nas capitanias do Norte e do Sul até meados do século 18.

Nessas regiões, colonos laicos organizavam expedições denominadas bandeiras com o objetivo de descobrir minas de metais preciosos e capturar índios para os trabalhos da terra. Mas a escravidão indígena não se articulava à rede mercantil, que era montada em escala mundial, e, portanto, mostrava-se pouco atraente aos grandes mercadores e ao Estado absolutista português.

O tráfico negreiro, por seu turno, permitia a obtenção de altíssimos lucros e fazia parte do mercado mundial que se estruturava e cuja lógica também passava a estruturar a sociedade colonial.

Escravidão no Brasil (Parte 1) Altas Histórias



Cais do Valongo Escravidão no Brasil - Parte 2

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