quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

PET II 2º ANO EJA

 1ª SEMANA


Independência do Brasil

A independência do Brasil foi o processo histórico de separação entre Brasil e Portugal que se deu em 7 de setembro de 1822. Por meio da independência, o Brasil deixou de ser uma colônia portuguesa e passou a ser uma nação independente. Com esse evento, o país organizou-se como uma monarquia que tinha d. Pedro I como imperador.

Acesse também: Como funcionou a política externa do Brasil durante o Período Joanino
As causas da independência do Brasil

A independência do Brasil tem uma grande ligação com a transferência da corte portuguesa para a colônia, em 1808. Os acontecimentos que se passaram no intervalo de tempo entre 1808 e 1822 levaram ao desgaste na relação entre a elite brasileira, sobretudo a do Sudeste, com o Reino de Portugal.

A corte portuguesa resolveu mudar-se para o Brasil, no fim de 1807, para fugir das tropas napoleônicas que invadiram Portugal em represália pelo país ter furado o Bloqueio Continental. Nessa época, a rainha de Portugal era d. Maria e o príncipe regente era d. João VI, e essa medida foi uma decisão deste.

Mudanças sensíveis aconteceram no Brasil nesse período, que ficou conhecido como Período Joanino. Essas mudanças ocorreram no campo cultural, econômico e até mesmo político. A primeira medida de grande repercussão na época foi a abertura dos portos do Brasil, em 1808. Esse foi o fim do monopólio comercial que existiu durante o período colonial.

Isso era muito importante, porque, até então, os portos brasileiros estavam abertos apenas para embarcações portuguesas. A abertura desses gerou a possibilidade um leque de oportunidades econômicas que beneficiaria consideravelmente os comerciantes instalados em cidades, como o Rio de Janeiro, à época capital do Brasil.

Por meio de d. João VI, também foram tomadas medidas que permitiram a construção de universidades, teatros, bibliotecas etc. Artistas e intelectuais estrangeiros vieram para o país, e a circulação de conhecimento nele aumentou consideravelmente. Apesar disso, a situação era razoavelmente estável, com exceção de Pernambuco, que sediou a Revolução Pernambucana de 1817.

Nas relações internacionais, o Brasil posicionou-se como uma nação expansionista, uma vez que d. João VI iniciou conflitos pelo controle da Guiana Francesa e da Cisplatina (atual Uruguai). As mudanças no país eram inúmeras, mas os ventos do separatismo só foram soprar-se nele a partir de 1820.

A mudança status do Brasil, durante o Período Joanino, é claramente identificada por meio de uma ação realizada em 16 de dezembro de 1815. Nessa data, o país foi elevado à condição de reino e passou a não ser mais colônia portuguesa, mas sim parte do reino de Portugal. Com isso, esse último passou a chamar-se Reino de Portugal, Brasil e Algarves.

Revolução Liberal do Porto

A situação de Portugal naquele momento era muito ruim, pois o país enfrentava uma crise política e econômica em consequência da invasão francesa. Para agravar a situação dos portugueses, o rei d. João VI estava no Rio de Janeiro, distante demais dos problemas da metrópole.

A burguesia portuguesa organizou-se nas Cortes, instituição política que se baseou em princípios liberais. Daí nasceu a Revolução Liberal do Porto, que defendia a realização de reformas em Portugal. A grande exigência dos liberais portugueses era que Portugal, e não o Brasil, deveria ser a sede do reino português.

Dentro desse contexto, os liberais portugueses passaram a exigir o retorno do rei para Portugal, e d. João VI não tinha nenhuma intenção de fazê-lo. Os portugueses também exigiram que o monopólio comercial fosse restabelecido no Brasil, e essas exigências demonstraram para a elite brasileira o desejo dos portugueses de restaurarem os laços coloniais com a colônia.

O rei português passou a ser ameaçado de ser destituído do trono se não retornasse, e, assim, acabou retornando para Portugal, em 26 de abril de 1821. Seu filho, Pedro de Alcântara, foi deixado no Rio de Janeiro como príncipe regente do Brasil.
Principais acontecimentos da independência do Brasil

A independência do Brasil aconteceu na medida em que a elite brasileira percebeu que o desejo dos portugueses era restabelecer os laços coloniais. Quando a relação ficou insustentável, o separatismo surgiu como opção política, e o príncipe regente acabou sendo convencido a seguir esse caminho.

As Cortes de Portugal tomaram medidas que foram impopulares aqui no Brasil, tais como a exigência do retorno do príncipe regente e a instalação de mais tropas no Rio de Janeiro. Além disso, a relação azedava também porque os portugueses tratavam os representantes brasileiros que iam a Portugal para negociar com desdém.

Quando os portugueses exigiram o retorno do príncipe a Portugal, foi organizado um movimento de resistência contra a medida. Dessa forma, foi criado aqui no Brasil o Clube da Resistência, e o Senado brasileiro recebeu uma carta contendo milhares de assinaturas que defendiam que príncipe ficasse aqui.

Em 9 de janeiro de 1822, d. Pedro anunciou o Dia do Fico, contrariando as ordens das Cortes de Portugal.

O movimento que exigia a permanência de d. Pedro motivou-o a desafiar a ordem das Cortes, e isso resultou no Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822. Na ocasião, d. Pedro anunciou publicamente que permaneceria no Brasil. Apesar de uma forte insatisfação, o separatismo ainda não era uma opção consolidada na cabeça dos brasileiros.

A relação entre Portugal e Brasil continuava ruim, e, em maio de 1822, foi decretado o Cumpra-se, lei que determinava que as medidas aprovadas em Portugal só valeriam no Brasil se d. Pedro aprovasse-as. A essa altura, a ideia de separatismo já estava bastante propagada, tanto que, em junho, foi convocada uma eleição para formação de uma Assembleia Constituinte.

O caminho do rompimento seguia a todo vapor, e a ideia de elaborar uma Constituição para o Brasil reforçava isso. A forma como d. Pedro conduziu esse processo foi bastante influenciada por sua esposa, d. Maria Leopoldina, e por seu conselheiro, José Bonifácio.

Declaração de independência

A situação agravou-se em agosto, quando ordens chegaram de Portugal. As Cortes atacavam os “privilégios brasileiros”, acusavam José Bonifácio de traição e ordenavam o retorno de d. Pedro. Isso fez d. Maria Leopoldina convocar uma sessão extraordinária presidida por José Bonifácio, em 2 de setembro.

Nessa sessão ficou decidido que era o momento de declarar a independência do Brasil. Uma declaração de independência foi redigida e enviada, junto às cartas portugueses, para d. Pedro. O regente estava a caminho de São Paulo na ocasião, e acabou sendo alcançado pelo mensageiro, no dia 7 de setembro de 1822.

Às margens do Rio Ipiranga, d. Pedro inteirou-se da situação, e, segundo o que ficou registrado na história oficial brasileira, foi realizado o grito pela independência do Brasil, momento conhecido como Grito do Ipiranga. Os historiadores, porém, afirmam que não existem muitas evidências que comprovem se o grito tenha de fato acontecido.
EBC | Curiosidades sobre O Grito do Ipiranga
O grito do Ipiranga (Pedro Américo 1888 - óleo sobre tela  )

7 de setembro dia da independencia do brasil resumo لم يسبق له ...
Ampliação O grito do Ipiranga , D. Pedro a frente com espada levantada. 


Cena da minissérie "O Quinto dos Infernos", da TV Globo, escrita por Carlos Lombardi e protagonizada por Marcos Pasquim, como Dom Pedro I.


Guerra de independência do Brasil

A declaração de independência foi recebida positivamente por muitos, mas não por todos. As províncias do Pará, Bahia, Maranhão e da Cisplatina mantiveram-se fiéis a Portugal, e isso deu início ao que conhecemos hoje como Guerra de independência do Brasil, composta por conflitos travados isoladamente em cada província e que se estenderam até 1824.

Todas as províncias foram conquistadas pelas tropas brasileiras, e D. Pedro garantiu o controle sobre todo o território brasileiro. Depois da derrota da resistência, Portugal aceitou negociar o reconhecimento da independência brasileira via mediação realizada pelos ingleses. 

As consequências da independência do Brasil

Com a independência do Brasil, o país tornou-se soberano e organizou-se como uma monarquia. Na América do Sul, o Brasil foi a única monarquia, pois as outras nações organizaram-se como repúblicas.

Dom Pedro foi coroado imperador e nomeado como d. Pedro I em 1º de dezembro de 1822. Com isso, foi inaugurado o Primeiro Reinado (1822-1831). Outra consequência da independência foi o endividamento do país, já que Portugal cobrou dois milhões de libras do Brasil como indenização.

Coroação de D. Pedro I” (1828) é uma das famosas aquarelas do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que compõem o livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil

Créditos: Daniel Neves Silva

As guerras de independência do Brasil

Antes da oficialização de nossa independência, observamos que o governo de Portugal tomou ações que procuravam enfraquecer a autoridade do então príncipe regente D. Pedro I em terras brasileiras. Entre outras medidas, as Cortes de Portugal decidiram enviar Juntas de Governo que controlariam diretamente algumas das províncias brasileiras. Dessa forma, D. Pedro I teria seu mando restringido ao ter parte do território brasileiro livre de sua autoridade.

Assim que a proclamação da independência foi realizada, em 7 de setembro de 1822, os governos provinciais indicados pela Coroa Portuguesa se rebelaram contra o recém-empossado D. Pedro I. Em um país de dimensões continentais, esse tipo de rebelião poderia ameaçar seriamente a manutenção da unidade territorial brasileira. Entre as províncias que se rebelaram, destacamos a Cisplatina (atual Uruguai), Bahia, Piauí, Pará e Maranhão.

Sem condições de enfrentar os levantes de modo autônomo, o governo brasileiro contratou os serviços militares de oficiais estrangeiros tais como o lorde inglês Thomas Cochrane e o marechal francês Pierre Labatut. Entre os meses de julho e agosto de 1823, esses oficiais lutaram contra os levantes que tomaram as regiões norte e nordeste do território brasileiro. Alguns meses mais tarde, os revoltosos da região Cisplatina foram igualmente vencidos.

Do ponto de vista político, observamos que o processo de independência brasileiro não se desenvolveu por um amplo consenso da população. A natureza elitista da nossa emancipação política ainda foi ponto de partida para que diversas outras crises acontecessem no Primeiro Reinado. Além disso, vemos que a consolidação da independência custou a realização de gastos que já colocavam nossa combalida economia em situação ainda mais delicada.


A consolidação da nossa independência foi marcada por conflitos em diferentes províncias.
Créditos: Rainer Gonçalves Sousa


A campanha da Cisplatina

Nessa província, que hoje é o Uruguai, o Comandante de Armas, D. Álvaro da Costa não aderiu ao recém-criado Império do Brasil, entrando em conflito com o general Frederico Lecor, responsável pela ocupação da área que foi anexada ao Brasil durante o governo de D. João VI, sendo que Álvaro da Costa conseguiu o controle sobre Montevidéu, a capital da província, o que forçou Lecor a recuar suas tropas para o interior da Cisplatina. A região encontrava-se dividida entre imperiais e lusitanos. Após armistício com as tropas fiéis às cortes de Lisboa, em março de 1824, Lecor adentrou Montevidéu, findando assim nesta cidade platina o último reduto da resistência lusa na América.
Em 1825, os orientais (uruguaios), liderados por Juan Antonio Lavalleja e Fructuoso Rivera, em decorrência de promessas de autonomia não cumpridas pelo governo central do Rio de Janeiro, iniciariam a luta pela sua própria independência, levando à Guerra da Cisplatina.

A campanha da Bahia

Com a Revolução do Porto, a população da Bahia dividiu-se, e os conflitos entre brasileiros (contra a recolonização) e portugueses (a favor da recolonização) aumentaram. A área tradicionalmente produtora de açúcar e de tabaco do Recôncavo, dominada pelos grandes latifundiários escravistas, desde cedo se manifestara pela causa brasileira, sob a liderança da vila de Cachoeira. A capital da Província, Salvador, então ocupada pelas tropas do Exército Português sob o comando do Governador das Armas, Inácio Luís Madeira de Melo, mantinham os laços com a Metrópole.

Com a divulgação da notícia da proclamação da Independência, as vilas do Recôncavo baiano, sob a liderança da vila de Cachoeira, em cuja Câmara Municipal se instalou um governo interino, mobilizaram-se para expulsar as tropas portuguesas entrincheiradas em Salvador, reforçadas desde os acontecimentos que haviam culminado no Dia do Fico (9 de janeiro de 1822). Esse processo de reforço de tropas foi marcado por diversos incidentes em Salvador, entre os quais o assassinato, por soldados portugueses, da abadessa do Convento da Lapa, Sóror Joana Angélica de Jesus (19 de Fevereiro).

Para apoiar e reforçar os rebeldes brasileiros na região, que haviam criado batalhões patrióticos formado por voluntários da capital e do interior da província, o governo brasileiro despachou, da Corte, alguns navios sob o comando de Rodrigo de Lamare, conduzindo tropas e suprimentos, inclusive um oficial experimentado nas campanhas napoleônicas, Pierre Labatut. Este efetivo desembarcou em Maceió, em Alagoas, de onde seguiu, por terra, para a Bahia. Durante a marcha, o contingente foi reforçado por efetivos vindos de Pernambuco, do Rio de Janeiro e do amplo voluntariado que se abrira no Recôncavo.

Entre esses voluntários destacaram-se nomes como os de Maria Quitéria, no Batalhão dos Periquitos, criado pelo avô do poeta Castro Alves - José Antônio da Silva Castro -, assim denominado pelo predomínio da cor verde em sua farda.

De Portugal, foram enviados 2 500 homens para reforçar as tropas de Madeira de Melo. A este efetivo juntaram-se elementos da Divisão Auxiliadora, que se retirava do Rio de Janeiro.

As vitórias brasileiras nas batalhas de Cabrito e de Pirajá (8 de novembro de 1822), bem como o fracasso na tentativa portuguesa de ocupação da ilha de Itaparica (7 de janeiro de 1823), tornaram cada vez mais difícil o sustento da posição por parte do Exército Português. Diante do bloqueio naval de Salvador, imposto pela esquadra imperial sob o comando de Lord Thomas Cochrane, complementado pelo bloqueio terrestre, que conjugados, impediam o suprimento do efetivo lusitano, Madeira de Melo foi forçado a capitular, abandonando Salvador (2 de Julho), que estava sob uma situação dramática: devido ao cerco faltavam alimentos e doenças matavam os mais fracos. Então com a vitória a cidade foi tomada pelas tropas brasileiras. Na ocasião Cochrane aprisionou várias embarcações de bandeira portuguesa ("Prontidão", "Leal Portuguesa", "Pizarro", "Carolina" e "Conde de Peniche"), perseguindo as demais até às proximidades de Lisboa.

A campanha do Piauí

Na então Província do Piauí, tradicional produtora de gado, a burguesia comercial e mesmo os proprietários de terras, estavam ligados à Metrópole, inclusive por laços de sangue. Aqui, a adesão à Independência do Brasil foi proclamada na vila de Parnaíba. O interior e a capital, Oeiras, permaneceram sob o controle de tropas do Exército português sob o comando do Governador das Armas do Piauí, major João José da Cunha Fidié. Mesmo diante do recebimento de reforços vindos da então Província do Ceará comandadas pelo capitão-mor do Crato, José Pereira Filgueiras, as tropas brasileiras foram inicialmente derrotadas na batalha do Jenipapo (13 de março de 1823), ocorrida no atual município de Campo Maior, às margens do rio Jenipapo. Outras localidades, entretanto, manifestaram a sua adesão à Independência, alcançando a vitória quando Fidié se deslocou para apoiar a resistência portuguesa na vila de Caxias, no Maranhão, onde capitulou.

A campanha do Maranhão

Também na Província do Maranhão, as elites agrícolas e pecuaristas eram muito ligadas à Metrópole. À época, o Maranhão era uma das mais ricas províncias da América Portuguesa. O intenso tráfego marítimo com a Metrópole, justificado pela maior proximidade com a Europa, tornava mais fácil o acesso e as trocas comerciais com Lisboa do que com o restante da colônia. Os filhos dos comerciantes ricos estudavam em Portugal. A região era conservadora e avessa aos comandos vindos do Rio de Janeiro. Foi da Junta Governativa da Capital, São Luís, que partiu a iniciativa da repressão ao movimento da Independência no Piauí. A Junta controlava ainda a região produtora do vale do rio Itapecuru, onde o principal centro era a vila de Caxias. Esta foi a localidade escolhida pelo major Fidié para se fortificar após a derrota definitiva na Batalha do Jenipapo, no Piauí, imposta pelas tropas brasileiras, compostas por contingentes oriundos do Piauí e do Ceará. Fidié teve que capitular, sendo preso em Caxias e depois mandado para Portugal, onde foi recebido como herói. Tais combates da Guerra da Independência também serviram como batismo de fogo para o jovem Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias.

Lentamente os brasileiros foram conquistando o apoio de várias cidades e povoados maranhenses, e aos poucos, os portugueses foram sendo derrotados. Contudo, a capital, São Luís, permanecia controlada pelos portugueses. Enviada do Rio de Janeiro, uma frota comandada por Lord Cochrane aproximou-se de São Luís fingindo ser reforços portugueses. Cochrane conseguiu desembarcar seus homens e aprisionou alguns chefes militares portugueses. Usando-os como reféns, conseguiu conquistar o controle da cidade.

São Luís, a capital provincial e tradicional reduto português, finalmente bloqueada pelo mar e ameaçada de bombardeio pela esquadra de Thomas Cochrane, foi obrigada a se render, aderindo à Independência em 28 de julho de 1823.

A campanha do Pará

O Grão-Pará, localizado na região amazônica, foi a última província a aderir à Independência do Brasil.
A burguesia comercial e os proprietários de terra do Grão-Pará se encontravam profundamente ligados à Metrópole, e a Revolução do Porto também havia provocado reações contraditórias nesta província. Inicialmente, portugueses e brasileiros se uniram com a decisão das Cortes de criar uma monarquia constitucional, porém, quando as Cortes decidiram recolonizar o Brasil, o padrão de reação que havia ocorrido na Bahia se repetiu: brasileiros contra a recolonização de um lado, e portugueses a favor da decisão das Cortes de outro. Em abril de 1823 chegou de Portugal o brigadeiro José Maria de Moura, para governar a província. Em 1º de março, os primeiros combates tiveram início, porém as tropas portuguesas reagiram com violência. Várias pessoas morreram e foram feridas e 267 foram presas.

Em agosto de 1823, D. Pedro I enviou para Belém um navio comandado por John Pascoe Grenfell. Usando de astúcia anunciou que uma grande esquadra estaria chegando a Belém e que qualquer resistência por parte dos lusitanos seria inútil. Com medo da ameaça, os portugueses não reagiram, e a província de Grão-Pará se incorporou ao Império do Brasil no dia 15 daquele mês.

Porém a mentira não durou muito. Como a "esquadra" nunca chegava, os portugueses reiniciaram as perseguições aos rebeldes simpatizantes da independência. A violência iniciada pelos portugueses foi revidada com mais violência pelos brasileiros. Aqui, Grenfell, subordinado a Cochrane, pretendendo acabar com os conflitos, impôs a aceitação da Independência também recorrendo ao bloqueio naval, sob ameaça de bombardear a capital, Belém (15 de agosto). Tendo sido eleita uma Junta Governativa (17 de Agosto), explodiu uma violenta reação popular, que obrigou Grenfell a desembarcar tropas e efetuar prisões em massa, visando a restabelecer a ordem pública. Grenfell chegou a convocar a população para uma reunião, em frente ao palácio do governo. Com a população reunida, escolheu cinco soldados ao acaso, e mandou executá-los. A 19 de Agosto, sem que houvesse cárceres suficientes em terra, a pedido da Junta, Grenfell autorizou encerrar nos porões do brigue "São José Diligente" (depois "Palhaço"), duzentos e cinquenta e sete detidos, onde todos, menos um (duzentos e cinquenta e seis, menos quatro, em outras fontes) morreram asfixiados. Dessa maneira, Grenfell apaziguou os conflitos na província. Embora posteriormente Grenfell tenha se defendido argumentando não ter ordenado o massacre no Brigue Palhaço, também nada fez para responsabilizar ou punir os responsáveis.

2ª SEMANA

PERÍODO REGENCIAL

Contexto histórico

O Período Regencial resultou diretamente da maneira como terminou o Primeiro Reinado (época em que o Brasil foi governado por D. Pedro I). O Primeiro Reinado ficou marcado pelo autoritarismo do imperador e pelos crescentes confrontos entre brasileiros e portugueses. As tensões e as pressões existentes fizeram o imperador abdicar do trono brasileiro em abril de 1831.

Quando D. Pedro I abdicou do trono, o sucessor naturalmente era seu filho, Pedro de Alcântara. Todavia, o príncipe do Brasil possuía apenas cinco anos e, por lei, não poderia ser coroado imperador do Brasil até que completasse a maioridade, que só seria alcançada quando obtivesse 18 anos.

Assim, a saída legal existente e que constava na Constituição de 1824 era a de fazer um período de transição em que o país seria governado por regentes. Esse período deveria ter acontecido até 1844, quando Pedro de Alcântara completaria 18 anos, mas seu fim foi antecipado para 1840 por meio de um golpe parlamentar.


Fases do Período Regencial

O Período Regencial teve uma duração razoavelmente curta (apenas nove anos). De toda forma, ao longo desse período, o Brasil possuiu quatro regências diferentes, as quais podem ser utilizadas como marcos divisórios do Período Regencial. Os quatro períodos foram:


Regência Trina Provisória (1831)

Regência Trina Permanente (1831-1834)

Regência Una de Feijó (1835-1837)

Regência Una de Araújo Lima (1837-1840)

Quando iniciado o Período Regencial, o Brasil foi governado por uma regência trina de caráter provisório. Os eleitos para essa regência foram três senadores: Francisco de Lima e Silva, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos. As principais medidas tomadas por essa regência provisória, conforme destacaram as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling, foram restituir ministros que haviam sido demitidos por D. Pedro I, convocar uma nova Assembleia Legislativa para composição de novas leis, anistiamento de criminosos políticos e afastar do Exército estrangeiros “desordeiros”.

Período Regencial

A Regência Trina Provisória teve vida curta, uma vez que a política brasileira estava tumultuada e uma série de distúrbios espalhava-se pelo país. Assim, em junho de 1831, foi eleita a Regência Trina Permanente, que era composta por José da Costa Carvalho (Marques de Monte Alegre), João Bráulio Muniz e Francisco de Lima e Silva.

Período Regencial

Durante a Regência Trina Permanente, houve três acontecimentos de destaque. Um deles foi a criação da Guarda Nacional, uma força pública composta por homens eleitores com idade de 21 a 60 anos de idade. Essa força foi criada com o intuito de controlar manifestações e impedir que revoltas acontecessem.

Outra medida de destaque foi uma reforma no Poder Moderador, retirando atribuições desse poder e dando maiores possibilidades de os deputados e senadores vistoriarem as ações do Executivo. Por fim, um último acontecimento marcante foi o embate político entre José Bonifácio e o padre Feijó, que resultou na saída de José Bonifácio da vida política brasileira.

Diogo Antônio Feijó, o padre Feijó, foi um dos grandes nomes da política brasileira durante o Período Regencial.


A Regência Trina Permanente também não teve força para colocar sob controle os rumos da política nacional. Os conflitos entre Moderados, Exaltados e Restauradores permaneciam, e revoltas pipocavam pelo país. Uma delas foi a Cabanada, que estourou em 1832, na província de Pernambuco.

A continuidade das tensões no Brasil deixava claro que havia um choque entre o governo e as províncias. O choque envolvia, principalmente, a questão da centralização do poder no governo contra o desejo das províncias brasileiras de alcançarem maior autonomia (federalismo). Para atender as demandas das províncias e colocar a situação política sob controle, foi aprovado o Ato Adicional de 1834, uma lei que fazia alterações na Constituição de 1824. Com o Ato Adicional, as mudanças mais sensíveis foram:

  • fim do poder moderador durante o Período Regencial;
  • fim do Conselho de Estado;
  • criação de Assembleias Legislativas provinciais;
  • aumento dos poderes dos presidentes de província, mas a nomeação era função do imperador;
  • substituição da regência trina por uma regência una.

Com as mudanças estipuladas pelo Ato Adicional, esboçava-se no Brasil um modelo que concedia às províncias um grau considerável de autonomia. Além disso, a eleição de um regente para governar todo o país aproximava o Brasil de um cenário republicano. Por isso, muitos historiadores afirmam que o Período Regencial foi uma experiência republicana no meio de dois reinados.

Com a determinação de que o país seria governado por um regente apenas, eleições foram organizadas. Em eleição realizada em 1835, o padre Feijó obteve 2826 votos e, assim, derrotou Holanda Cavalcanti, que obteve 2251. A regência de Feijó ficou marcada pela Cabanagem, no Pará, e pela Revolta dos Farrapos, no Rio Grande do Sul.

Regência Una de Feijó (1835 - 1837) - Brasil Escola
Diogo Antônio Feijó, também conhecido como Regente Feijó ou Padre Feijó


Feijó tinha humor explosivo e deparou-se com forte oposição em todas as frentes da política brasileira. Essa oposição fez padre Feijó solicitar afastamento da função. Com sua saída, nova eleição foi realizada, e Pedro de Araújo Lima derrotou Holanda Cavalcanti e foi eleito regente do Brasil.

Ficheiro:Pedro de Araújo Lima.png – Wikipédia, a enciclopédia livre
Pedro de Araújo Lima, Marquês de Olinda, foi um estadista brasileiro, regente único e primeiro-ministro do Império do Brasil.

Na regência de Araújo Lima, houve o crescimento dos políticos conservadores (mescla dos Liberais Moderados com os Restauradores) e tentativas do regente de tentar retirar algumas das liberdades que as províncias haviam conquistado com o Ato Adicional de 1834.

Política no Período Regencial

O Período Regencial ficou marcado pela intensa movimentação política que acontecia no país. O debate político nesse período foi bastante acalorado e girava em torno de três grupos políticos, que gradativamente se transformaram nos dois partidos políticos do Segundo Reinado. No caso do Período Regencial, os principais grupos políticos eram:

Liberais moderados: em geral, eram monarquistas que defendiam a limitação do poder do imperador. Defendiam uma monarquia constitucional no país e tinham no padre Feijó o seu maior representante.


Liberais exaltados: eram defensores abertos do federalismo, isto é, de ampliar a autonomia das províncias brasileiras. Alguns dos exaltados eram defensores da república, e o nome mais influente desse grupo foi Cipriano Barata.


Restauradores: eram defensores do retorno de D. Pedro I ao trono brasileiro e tinham nos irmãos Andrada (José Bonifácio era um deles) seus maiores expoentes.

Ao longo do Período Regencial, esses grupos foram convertendo-se nos dois partidos que centralizaram a política durante o Segundo Reinado. O Partido Liberal surgiu da mescla dos liberais moderados com os exaltados, e o Partido Conservador surgiu da mescla dos liberais moderados com os restauradores.

Revoltas

A grande marca do Período Regencial foram as revoltas provinciais, que aconteceram em diversos locais do país. Essas revoltas envolviam insatisfações políticas com os rumos que o país tomava, além das disputas políticas locais, insatisfação popular com a pobreza e a desigualdade etc.

Ao longo do Período Regencial, as principais revoltas que aconteceram foram:


Cabanagem: rebelião que aconteceu no Grão-Pará entre 1835 e 1840 em razão da insatisfação popular com a pobreza e a desigualdade e por disputas políticas locais.


Balaiada: rebelião que aconteceu no Maranhão entre 1838 e 1841 e foi resultado de disputas políticas locais.


Sabinada: foi uma rebelião de caráter separatista que desejava implantar uma república na Bahia. Aconteceu entre 1837 e 1840.


Revolta dos Malês: foi uma rebelião de escravos que aconteceu em Salvador em 1835.


Revolta dos Farrapos: foi uma revolta motivada por insatisfações da elite local com o governo por questões políticas e econômicas. Estendeu-se de 1835 a 1845.

Como terminou o Período Regencial

O fim do Período Regencial foi resultado da disputa política entre liberais e conservadores. Os liberais insatisfeitos com a regência de Araújo Lima, um conservador, reagiram defendendo a antecipação da maioridade do príncipe do Brasil, Pedro de Alcântara. Os liberais conseguiram conquistar o apoio da maioria dos deputados e senadores e realizar o Golpe da Maioridade em 1840.

Com esse golpe, Pedro de Alcântara teve a sua maioridade antecipada e tornou-se imperador do Brasil com 14 anos de idade. Esse ato iniciou o Segundo Reinado e deixou os liberais satisfeitos porque foi retirado o poder das mãos dos conservadores. Os liberais também esperavam que a coroação do imperador colocasse fim à série de revoltas provinciais que aconteciam no país.

3ª SEMANA

A CONSTITUIÇÃO DE 1824

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EH-SFq93Wq4 acesso em 20/07/2020


A primeira Constituição brasileira foi outorgada por d. Pedro I em 25 de março de 1824, e conferiu as bases da organização político-institucional do país independente. Em 1822 d. Pedro convocou uma assembleia constituinte com a tarefa de elaborar uma Constituição para o Brasil. Instalada em 3 de maio de 1823, a assembleia foi dissolvida pelo imperador em 12 de novembro deste mesmo ano, devido ao descontentamento de d. Pedro com as propostas de limitação de seus poderes e de definição das atribuições do Poder Executivo. A tarefa de elaborar uma constituição para o Brasil foi conferida, então, ao Conselho de Estado, tomando por base o projeto que esteve em discussão na assembleia constituinte que fora dissolvida.

Apoiada numa pluralidade de matizes teóricas, como a experiência constitucional da Espanha (1812) e da França (1814), bem como o pensamento político de Benjamin Constant, o modelo expresso na Constituição de 1824 resultou da tentativa de conciliar os princípios do liberalismo à manutenção da estrutura sócio-econômica e da organização política do Estado monárquico e escravocrata que emergira da Independência. A Constituição outorgada não apenas modelou a formação do Estado, como teve importante papel na garantia da estabilidade institucional necessária à consolidação do regime monárquico.

A Carta Magna definiu como forma de governo a monarquia hereditária, constitucional e representativa que, em acordo com os princípios liberais, tinha no imperador e na Assembleia Geral os representantes da ‘nação brasileira’. Foi estabelecido um governo unitário, onde os poderes concentravam-se no governo central, e o território brasileiro foi dividido em províncias, cujos presidentes subordinavam-se ao chefe do Poder Executivo, o imperador. Nas cidades e vilas o governo econômico e administrativo competia às câmaras, compostas por vereadores eleitos, cujas atribuições deveriam ser definidas por lei complementar (BRASIL. Constituição (1824), art. 167 e 169).

A Constituição definia juridicamente aqueles que usufruiriam a condição de cidadão, a quem ficava assegurada a inviolabilidade dos direitos civis e políticos, tendo por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade. Estava constitucionalmente assegurada a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, o direito à propriedade, a instrução primária gratuita, a independência do poder judicial, o fim do foro privilegiado, o acesso ao emprego público por mérito, entre outros direitos (BRASIL. Constituição (1824), Título VIII). Dentre os cidadãos, o texto constitucional incluiu os ingênuos e libertos nascidos no Brasil, os filhos de pai brasileiro, os ilegítimos de mãe brasileira nascidos no exterior que fixassem domicílio no Império e os filhos de pai brasileiro em serviço em país estrangeiro, ainda que não se estabelecessem no Brasil, além de todos os nascidos em Portugal e suas possessões que residissem no país por ocasião da Independência (BRASIL. Constituição (1824), art. 6º).

O sistema eleitoral estabelecido pela Constituição baseou-se numa acepção de cidadania que distinguiu os detentores dos direitos civis dos que usufruíam também direitos políticos, os cidadãos ‘ativos’, que possuíam propriedade, dos ‘passivos’. As eleições seriam indiretas, ficando definidos dois tipos de eleitores, os de paróquia e os de província. Os eleitores de paróquia elegiam os de província, que votavam nos deputados à Assembleia Geral. A Constituição qualificou os eleitores, bem como os que poderiam ser votados, segundo o critério censitário. Podiam votar os maiores de vinte e cinco anos, com renda líquida anual de cem mil réis para as eleições paroquiais, e de duzentos mil réis para as de província. No caso do limite de idade imposto para o voto, de 21 anos, abria-se exceção aos que fossem casados, bem como para militares e bacharéis formados. Podiam votar nas eleições de paróquias os libertos, desde que nascidos no Brasil e obedecendo ao critério censitário. Ficavam excluídos do direito ao voto os criados e religiosos, as mulheres, os escravos, os índios e os filhos que viviam na companhia dos pais, isto é, dependentes economicamente.

A Constituição reconheceu quatro poderes políticos: Legislativo, Moderador, Executivo e Judicial. Princípio caro ao constitucionalismo liberal do século XIX, que funcionaria como um freio ao poder real e garantia dos direitos individuais dos cidadãos, a concepção da separação de poderes sofreria os ajustes necessários à construção de uma nova ordem.

O Poder Legislativo ficava delegado à Assembleia Geral, que se compunha de duas câmaras, a dos Deputados e o Senado. Sua configuração obedecia à visão de que este poder funcionaria como uma delegação da nação “com a sanção do imperador”, o que denota o caráter da centralização política na figura do soberano.

A legislatura teria a duração de quatro anos e a sessão anual reunir-se-ia por quatro meses. O imperador tinha a prerrogativa do veto sobre as resoluções da Câmara e o poder de dissolvê-la, privilégio exercido através do Poder Moderador que lhe ficava privativamente delegado, como um fiel do equilíbrio entre os poderes (BRASIL. Constituição (1824), art. 98). No Senado os cargos eram de escolha do imperador, sua função era defender a monarquia e fortalecer o Executivo, funcionando como freio à Câmara, que, por sua vez, era eletiva e temporária. Como atribuição exclusiva do Senado estava o de convocar a Assembleia, no caso do imperador não o fazer ou para a eleição da Regência, e o de conhecer dos delitos cometidos pelos membros da família imperial, ministros, conselheiros, senadores e deputados, durante a legislatura (BRASIL. Constituição (1824), art. 47).

À Câmara dos Deputados cabia a privativa competência de legislar sobre temas como impostos, a apreciação das propostas apresentadas pelo Executivo e a acusação dos ministros e conselheiros de Estado em caso de delitos (BRASIL. Constituição (1824), art. 36). Já à Assembleia Geral competia questões como a elaboração, suspensão e revogação das leis, a eleição da Regência ou do regente e o estabelecimento dos limites da sua autoridade, a decisão de questões sobre sucessão da Coroa, a fixação anual das despesas públicas, expedir autorização ao governo para contrair empréstimos e estabelecer meios para pagamento da dívida pública (BRASIL. Constituição (1824), art. 15).

Nas províncias funcionavam os conselhos gerais, cujos membros eram eleitos da mesma forma e simultaneamente aos deputados, com mandato também de quatro anos. Os conselhos reunir-se-iam anualmente, cada legislatura duraria dois meses, podendo estender-se por mais um, e tinham a prerrogativa de propor projetos e deliberar sobre matérias de interesse de suas províncias. Suas resoluções seriam remetidas, por intermédio do presidente da província, ao Poder Executivo central, podendo ser aprovadas pela Assembleia Geral ou pelo imperador (BRASIL. Constituição (1824), art. 72, 81, 84 a 88).

A chefia do Poder Executivo seria exercida pelo imperador através dos seus ministros de Estado, sendo a sua figura inviolável e sagrada (BRASIL. Constituição (1824), art. 99). O Executivo concentrava amplos poderes e era uma prerrogativa do imperador, sendo suas as atribuições de nomear bispos, magistrados, comandantes das forças de terra e mar, embaixadores e mais agentes diplomáticos e comerciais; prover os empregos civis e políticos; conduzir negociações políticas com nações estrangeiras, fazer tratados de aliança, de subsídio e comércio; declarar a guerra e fazer a paz; conceder cartas de naturalização; conceder títulos, honras, ordens militares e distinções; expedir decretos, instruções e regulamentos; decretar a aplicação dos rendimentos destinados pela Assembleia aos vários ramos da administração pública; conceder ou negar o beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras constituições eclesiásticas, e; prover a segurança interna e externa do Estado (BRASIL. Constituição (1824), art. 102, 103 e 104).

A proeminência do Executivo central fica mais clara ao analisarmos a estruturação do Poder Judiciário ou, como definido pela Constituição, Poder Judicial. Este seria composto pelos juízes de direito, jurados, relações provinciais e o Supremo Tribunal de Justiça, além de a Carta constitucional ter previsto a criação do cargo de juiz de paz (BRASIL. Constituição (1824), art. 151 e 163). A administração dos negócios da Justiça foi, desde a época moderna, a função suprema do rei e a sua área por excelência, ocupando um lugar central na administração do Estado (CABRAL, CAMARGO, 2010). A Constituição de 1824 rompeu parcialmente com esse paradigma ao adotar aspectos do ideário liberal e incorporar instituições identificadas a um Judiciário independente, como o juiz de paz e o Tribunal do Júri, ainda que não definisse sua organização.

O Judiciário funcionaria em duas instâncias, a primeira cabia ao juiz de direito, ao juiz de paz e ao Júri, que ficavam sob a jurisdição da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça. Para a justiça de segunda instância a Constituição previu a criação de tribunais da Relação nas províncias em que se fizessem necessários e na Corte, onde funcionaria ainda o Supremo Tribunal de Justiça. A este tribunal competia conceder ou denegar revistas nas causas; julgar os delitos e erros que cometessem os ministros, os empregados das Relações, do corpo diplomático, e os presidentes das províncias; bem como apreciar e decidir sobre os conflitos de jurisdição e competência das relações provinciais (BRASIL. Constituição (1824), art. 164).

No entanto, a autonomia do Judiciário, essencial para a garantia dos direitos políticos e civis do cidadão, foi limitada pela autoridade conferida ao imperador de suspender e remover magistrados, bem como perdoar ou moderar as penas impostas nas sentenças e conceder anistia (BRASIL. Constituição (1824), art. 101, 151, 153 e 155). Suas atribuições esbarravam também na competência atribuída à Assembleia Geral de fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las, o que acabava por conceder aos juízes somente a faculdade de aplicá-las (NOGUEIRA, 1999).

A Constituição previu ainda a existência de um Conselho de Estado, composto por até 10 membros vitalícios, nomeados pelo imperador (BRASIL. Constituição (1824), art. 137 e 138). Os conselheiros deveriam prestar juramento de fidelidade ao soberano e aconselhá-lo “segundo as suas consciências, atentando somente o bem da nação” (BRASIL. Constituição (1824), art. 141). Os conselheiros seriam ouvidos em todos os negócios graves e ações gerais da administração pública, especialmente em questões relativas à declaração da guerra, ajustes de paz, negociações com as nações estrangeiras e em todas as ocasiões em que o imperador se proponha exercer qualquer das atribuições próprias do Poder Moderador (BRASIL. Constituição (1824), art. 142). O Conselho funcionava ainda como árbitro em contenciosos administrativos e conflitos de competências, especialmente em relação aos recursos contra as decisões dos presidentes das províncias e dos ministros de Estado, ressaltando-se ainda seu papel de guardião da constitucionalidade e da legalidade dos atos do Executivo (NOGUEIRA, 1999).

No entanto, foi o Poder Moderador a base da organização política do Estado, delegado privativamente ao imperador, “para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilibro, e harmonia dos mais Poderes Políticos” (BRASIL. Constituição (1824), art. 98). Além das prerrogativas em relação ao Judiciário, a Constituição conferia ao imperador o direito de exercer o Poder Moderador ao nomear os senadores, convocar extraordinariamente a Assembleia Geral, sancionar decretos e resoluções do Legislativo, aprovar e suspender interinamente as resoluções dos conselhos provinciais, prorrogar ou adiar a Assembleia Geral e dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir livremente os ministros de Estado, suspender os magistrados nos casos previstos, perdoar e moderar as penas impostas e os réus condenados por sentença e conceder anistia. (BRASIL. Constituição (1824), art. 101). Assim, a Carta constitucional, ao estabelecer o Poder Moderador, conferiu ao imperador um importante instrumento que lhe permitia intervir nos outros poderes, além de constituí-lo como o verdadeiro árbitro da organização política do Império brasileiro (BRASIL. Constituição (1824), art. 98).

A Constituição de 1824 cumpriu o papel de conferir a modelagem liberal ao Estado que se forjara com a Independência, instituindo princípios norteadores como a separação dos poderes e um Executivo forte e centralizado. Suas determinações refletiam um amplo consenso entre as elites regionais na organização da forma de governo, balizados em torno do sistema político monárquico. Ao longo do período imperial, algumas alterações provocadas pelo Ato Adicional de 1834 e pela Lei de Interpretação do Ato Adicional, de 1840, mostraram que a Constituição pode se adaptar a conjunturas políticas distintas, o que garantiu sua vigência até 1891, com o advento da República.


Dilma Cabral

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